— Estou pensando em chamar algumas mulheres para
vender sonhos, o que acham?
O ninho dos homens abalou-se. Éramos um grupo
extravagante, excêntrico, reconhecidamente esdrúxulo, mas nos acomodávamos.
Havia diferenças, mas estávamos nos ajustando. Nossas discussões fora dos
olhares do mestre eram ardentes, mas passíveis de superação. Agora, chamar
mulheres para a nossa confraria parecia um exagero. Não daria certo.
Imediatamente ponderei.
— Mulheres, mestre? Acho que é uma má escolha.
— Por quê? — questionou-me.
Antes de eu responder, o Boquinha de Mel felizmente
saiu em minha defesa:
— Elas não agüentarão o tranco. Como dormirão debaixo
de pontes?
— Que banheiro usarão? Em que espelho se arrumarão? —
ponderou Salomão. Mas o mestre retrucou:
— Mas quem disse que elas necessitam deixar o próprio
lar para nos seguir? Afinal de contas, cada ser humano deveria vender sonhos no
ambiente em que se encontra, seja para si mesmo ou para os outros.
Dessa vez, suas palavras não nos aliviaram. Não
admitíamos que uma mulher pudesse participar do grupo, ainda que parcialmente.
Por mais que o mestre tivesse nos alertado, depois das batalhas, rejeições e
enfrentamentos sociais, estávamos envenenados com certa dose de heroísmo.
Sentíamo-nos revolucionários, protagonistas de uma experiência sociológica
fantástica. Não queríamos dividir nossas glórias. Infectados pela
discriminação, pensávamos que as mulheres diminuiriam nossa audácia.
— Segui-lo, mestre, é para... macho, e dos bons. De
mais a mais, as mulheres falam demais e agem de menos — disse Mão de Anjo com
convicção, quase sem gaguejar. Em seguida percebeu sua arrogância e tentou se
desculpar. Havíamos nos apossado do mestre e de seu projeto. Queríamos dar a
ele um colorido masculino.
Edson também não suportou a proposta do mestre. Usou
seus conhecimentos sobre teologia para dissuadir-lhe as intenções.
— Mestre, Buda chamou aprendizes, Confúcio teve homens
como seguidores, Jesus chamou discípulos. Como você quer chamar mulheres para
segui-lo? Olhe para a história! Não vai dar certo.
Pela primeira vez, o grupo foi unânime em se derreter
de elogios para o Milagreiro. Começamos a pensar que poderia trazer
contribuições interessantes. Todavia, o vendedor de idéias perguntou
contundentemente ao nosso teólogo:
— Quando o Mestre dos Mestres chamou seus discípulos,
onde os colocou, no centro ou na periferia do seu plano?
— No centro. É claro — respondeu sem titubear.
— E as mulheres? — indagou, testando-o.
Edson pensou, refletiu, pôs as mãos na testa, pois
sabia que poderia cair em contradição. E, depois de um prolongado momento
analítico, respondeu com argúcia:
— Não posso dizer que na periferia, pois elas lhe
davam suporte material, mas não estavam no centro do trabalho, pois não
participaram ativamente do seu projeto.
Pensei comigo: ”Caramba! Achava que Edson tinha uma
visão curta, mas mais uma vez mordi a língua”.
O mestre novamente olhou para ele e depois para todos
nós.
— Errado — disse ele, e permaneceu em silêncio.
Por eu ter estudado como sociólogo os textos
considerados sagrados, achava que Edson estava certo. Aguardava os argumentos
do mestre, desconfiado de que dessa vez não nos convencesse.
— Elas sempre estiveram no centro do seu projeto. Em
primeiro lugar, segundo as Escrituras, Deus não escolheu uma casta de fariseus,
de sacerdotes ou de filósofos gregos para educar o Menino Jesus, mas uma
mulher, uma adolescente não contaminada com o sistema masculino vigente.
Cocamos a cabeça diante da bomba.
— Em segundo lugar, a primeira pessoa a anunciá-lo na
palestina foi uma mulher, a mulher samaritana. Ela viveu uma vida promíscua,
teve muitos homens, mas as palavras dele saciaram sua sede interior.
Determinada, reuniu seu povo e falou do homem que a comovera. — Após dizer
essas palavras, ele parou para respirar e nos tirou o fôlego dizendo: — Uma
prostituta foi mais nobre que os líderes religiosos do seu tempo.
Bartolomeu soltou uma frase que quebrou o tenso clima
que pesava sobre os homens. Não sei onde encontrava tanta imaginação:
— Chefinho, sempre achei que as mulheres são mais
inteligentes que os homens, o problema é que inventaram o cartão de
, crédito... - E caiu na risada. Dera a entender
ironicamente que era ele que sustentava as mulheres que já tivera. Na
realidade, elas o tinham sustentado.
O mestre, não contente com nossa masculinidade
preconceituosa, investiu ainda mais. Perguntou novamente para o nosso teólogo
de plantão:
— Diga-me, Edson. No momento mais importante da vida
de Jesus, quando seu corpo tremia na cruz e seu coração claudicava, onde
estavam os homens, no centro ou na periferia do seu plano?
Edson, sem cor, demorou a responder. E nós ficamos
rubros. Diante do silêncio, o mestre reagiu:
— Seus discípulos eram heróis quando ele abalava o
mundo, mas foram covardes quando o mundo desabava sobre ele: calaram-se, fugiram, negaram, traíram. Mas mesmo
assim, ele os amou. Os homens são mais tímidos do que as mulheres. Num ímpeto
sociológico, retruquei-lhe:
— Mas eles não fazem guerras? Não empunham armas? Não
fazem revoluções?
Porém, a resposta veio sem titubear:
— Os fracos usam as armas; os fortes, o diálogo. — Em
seguida, fez a pergunta que mais temíamos:
— Onde estavam as mulheres quando ele morria?
Sem muito entusiasmo, nós, que conhecíamos o texto,
dissemos:
— Próximas da cruz.
— Mais que isso, estavam no epicentro do seu projeto.
E sabem por quê? Porque as mulheres são mais fortes, inteligentes, sensíveis,
humanas, generosas, altruístas, solidárias, tolerantes, companheiras, fiéis,
sensatas, do que os homens. Basta dizer que noventa por cento dos crimes
violentos são cometidos por homens.
Ficamos abalados com tantos adjetivos a favor delas. O
mestre não parecia feminista, nem parecia estar querendo atirar palavras ao ar
tentando compensar milênios de discriminação contra as mulheres. Parecia estar
convicto do que pensava.
Para ele, o sistema que controlava a humanidade foi
concebido nas entranhas da mente masculina, embora seus criadores não
imaginassem que um dia se tornariam vítimas da sua própria criatura. As
mulheres precisavam entrar em cena e, com sua graça e coragem, vender sonhos,
muitos sonhos.
Trecho do livro: O Vendedor de Sonhos de Augusto Cury
- Hah! as mulheres ... , quanto mais convivo, menos entendo, de qualquer forma, aqui vai a minha singela homenagem, em 8 de março, no dia Internacional das Mulheres, bjkas Marcão
2 comentários:
Excelente lembrança PARABÉNS...
Acho que voce esta apaixonado... sensibilidade a flor da pele... e arrazando no futebol. Ate o visual esta mudando...
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