domingo, 25 de dezembro de 2011

CONTOS DE NATAL / Coluna do Valtão


CONTOS DE NATAL – O JOGO DOS BOLEIROS VETERANOS CONTRA OS BOLEIROS MAIS JOVENS...

Dezembro de 2011

por: Valter Gonçalves

PS: Valtão parabéns pelo niver...

Domingo véspera de natal. Pela manhã, logo cedo, no Centro Olímpico do Ibirapuera uma habitual movimentação dos boleiros que vão chegando ao local de concentração antes do inicio das partidas. Os primeiros que vão chegando já demonstram um sorriso de satisfação, pois, sabem que serão os beneficiados em caso da necessidade de completar o time para os jogos seguintes pelo critério de ordem de chegada...

O relógio já indicava 9h45 e o quorum necessário ainda não estava garantido. Podia se observar por lá o Dante, Marcão, Claudio, Valter, Gaucho, João, Adelino, Olivier e o Patrice, todos conversando, e, a todo o momento, ficavam movimentando a cabeça de um lado para outro na esperança de apontar um novo boleiro para completar o grupo.

O relógio parecia jogar contra os boleiros. Os ponteiros já indicavam 10h00 e o guarda municipal abriu os portões da quadra para os boleiros entrarem. Em número ainda insuficiente para iniciar os jogos, os boleiros iniciam o rito habitual necessário de colocar meias, chuteiras, protetores, etc.

Durante toda aquela preparação, um homem magro, de barba, meia idade, um pouco tímido, adentra os portões da quadra e se aproxima do grupo dizendo:

- Posso jogar com vocês?

Os boleiros, um pouco desanimados e desconfiados da possibilidade de não haver jogos pela falta de quorum ideal, quase que respondem em coro:

- Claro que pode! Chega aí...


O homem se aproxima mais do campo com passos suaves e imediatamente o Dante com aquela categoria que o caracteriza como hábil anfitrião se antecipa:

- Pois não, então, você que jogar com a gente? ...que ótimo! e emenda:

- Aqui, normalmente, você precisa colocar o seu nome numa lista e aguardar a sua vez de jogar, mas hoje não temos muita gente e acho que você poderá jogar. ...

- Que bom! Eu e meu pai temos visto vocês jogarem aqui aos domingos e eu já pensava em pedir uma chance de jogar num domingo qualquer, responde o naquele momento desejado intruso.


Já se preparando para dividir os times, o Marcão observa que o estranho jogador estava de sandálias, daquele tipo que chamamos de “franciscana”. E pergunta:

- Você vai jogar de sandálias? Não tem um tênis ou calçado mais adequado? Pode se machucar!

O homem responde:

- Não se preocupe! Vou jogar com as sandálias mesmo, pois percebo que aqui todos são amigos e ninguém vai entrar prá valer...





Nesse momento todos olham para o Gaucho e para o Antero batendo bola e o Ledo colocando umas caneleiras do tipo "guerreiro romano" e manifestam aquele ar de preocupação quase que dizendo: (hummm! O cara vai se dar mal...)

O Patrice foi logo falando as regras do futebol domingueiro para aquele homem:

- Não pode pegar a bola com a mão em qualquer parte do campo. Se isso ocorrer propositalmente será marcado penalty contra o infrator! A bola pode bater nas paredes laterais do campo, mas o jogo continua sem parar! Se bater na grade acima da linha do muro, é lateral. Na linha de fundo há escanteio normalmente...



Enquanto isso, com a chegada de alguns retardatários (Ledo, Basílio, Antero, Tonico, Marino e Felipe) foram completados dois times e ainda restaram dois ou três reservas.

Para minimizar a ansiedade, rapidamente o Claudio cuida da divisão das equipes e vai logo falando em voz alta:

- No time azul o Tonico de goleiro, Gaucho, Antero, e eu, Felipe, Marcão e Dante; no vermelho: O João de goleiro, Ledo, Valter e Marino, Basilio, Olivier e Adelino.

Logo em seguida atendendo aos apelos que recebeu dos boleiros retardatários, o Cláudio complementa:

- Esse novo colega, junto com os demais excedentes, espera um pouco para entrar no lugar de alguém que estiver mais cansado.

Nesse momento ouvindo as palavras ditas pelo Claudio ninguém falou nada, mas logo pensaram (esse cara vai esperar um bocado, e certamente não chegará a sua vez....)

Aquele homem faz sinal de positivo com o polegar da mão direita, se aproxima do banco e senta-se para assistir os boleiros dizendo:

- Não se preocupem a minha hora de jogar irá chegar e enquanto isso estarei me preparando...

Ninguém entendeu muito bem o que quis dizer o intruso boleiro com os dizeres "estarei me preparando" e todos de vez em quando davam algumas "olhadelas" disfarçadas para ver o comportamento dele, mas, o estranho era ele ficou sentado no banco e de vez em quando olhava para cima e para os lados como se estivesse viajando, longe daquele local que se encontrava fisicamente.

O Adelino com aquele humor sarcástico e inteligente logo cochichou no meio de campo com alguns boleiros:

- Acho que o amigo ali tomou o remedinho do Guerra...

E o primeiro jogo continua...

Depois de algum tempo de jogo sem que houvesse evidência de qualquer oferenda para o noviço jogar, ainda chegam outros retardatários... (Olivier, Victor, Coelho...)

E segue o jogo. Aquele homem parece não “se mancar” que já haviam boleiros em quantidade suficiente e que ele poderia ficar o tempo todo esperando para jogar em vão...




Mas, uma cena rara começou a ocorrer no andamento dos jogos. Os boleiros mais velhos começaram a ficar cansados e pedirem para serem substituídos...(Quem conhece esses velhinhos fominhas de bola sabe que somente duas coisas conseguem tirá-los de um jogo de futebol: alguma contusão impeditiva de continuar jogando ou a morte!).

Mas, o incrível é que todos saiam com ar de conformismo e determinação como se estivessem querendo descansar um pouco para voltar a jogar no próximo jogo.

Num certo momento estavam sentados no banco dentre outros o Marcão, Claudião, Marino, Basilio, Ulisses, Valter, Dante, etc. Aquele homem que aguardando pacientemente sua vez de jogar, estava atentamente escutando e observando a todos comentou se dirigindo para esses boleiros que estavam no banco apontando o dedo para um e para outro:

- Você é o Sr. Basílio não é? Aquele que jogou no “Corintinha” da Vila Monumento, que disputou o interclubes pelo Palmeiras não é? E você, não é o Sr. Dante, aquele que jogava futebol de salão pelo São Caetano Esporte Clube lá pela década de 70? E você Marcão? Centroavante artilheiro que encantou os campos de várzea por tantos anos...

Assim aquele estranho homem que aguardava uma chance para bater uma bolinha com o pessoal foi identificando aqueles que estavam sentados no banco, demonstrando que conhecia todos detalhadamente.

Aqueles veteranos boleiros um tanto quanto espantados com o conhecimento do passado futebolístico de praticamente todos boleiros que ali estavam quase que uníssonos exclamaram:

- Puxa! Temos saudades desse tempo, pois agora não conseguimos mais jogar como sabemos afinal os músculos já não acompanham nossas intenções retrucou o Basílio com a concordância dos demais representada por aquele “sim” dito pelo movimento com a cabeça....

- E porque não formamos aqui um time entre nós e desafiamos esses mais jovens que estão jogando? Sugeriu o boleiro intruso.

Não acreditando no que estava ouvindo, o Marcão olhou para o campo e viu que ali estavam Olivier, Ricardo, Rhanam, Victor, Coelho, Felipe, etc. correndo que nem uns loucos, parecia até que a partida estava apenas começando e o fôlego deles estava inteiro ainda e disse:

- Acho que você não conhece essa molecada. Se formarmos um time como esse aqui que estão sentados no banco não vamos tocar na bola....

- Estão com medo? Desafiou aquele estranho boleiro.

- Vamos fazer o seguinte: O João segura no gol, o Marino, Valter e o Claudio formam a defesa, o Adelino e o Basílio ficam no meio de campo e o Dante no ataque. Eu e o Marcão ficamos como armas secretas na reserva.

Todos aceitaram a escalação feita por aquele misterioso boleiro sem reclamar, sem dar qualquer palpite. Realmente incrível!

Terminado o jogo que estava em andamento, os mais jovens são informados do desafio. Todos olham uns para os outros e com aquele sorriso debochado respondem:

- Vamos lá, ué!

Os times começam a se posicionar no campo e pelo comportamento dos mais velhos no aquecimento e bate-bola parecia demonstrar que o desafio não seria tão fácil como estavam imaginando os mais jovens...

A única coisa estranha era o boleiro intruso que a essa altura se posicionava de pé ao lado do banco de reservas e já pronunciava algumas ordens ao time como se ele fosse o técnico da equipe:

- Basílio, se movimente no meio de forma horizontal sem se preocupar em avançar para o ataque.

- Adelino, você também deverá se movimentar de forma horizontal e de forma que você e o Basílio fiquem sempre um de cada lado para receberem a bola e procurar tocar para o Dante...


- Marino -que contemplava o Magrão- e Valter joguem como dupla de zagueiros deixando o Claudio na sobra. Não se preocupem com a marcação nas extremas das laterais concentrando mais a marcação pelo meio. O Claudio se movimentará por trás de vocês cobrindo as laterais...

O mais interessante é que as palavras do boleiro intruso eram ditas suavemente em tom normal sem qualquer elevação de voz como é normal em campos de futebol, porém com efeitos cativantes parecendo exercer um domínio sobre os boleiros que estavam em campo.

Começa o jogo.

O Olivier recebe no meio de campo, dribla um, tenta ganhar velocidade e direção para o chute, acompanhado pelo Marino que já estava ficando para trás, quando uma voz ecoa pelo campo:

-Chega nele Marino, estique o pé direito! vai que dá!

Como que se tivesse tido um estímulo gigante o Marino acelera a velocidade, estica o pé sem fazer a alavanca, rouba a bola do Olivier, dá uma parada, pisa na bola dominando-a e toca suavemente para o Basílio que estava bem posicionado no meio de campo como orientado pelo misterioso técnico.

O Basílio, penteia a bola, levanta a cabeça para olhar o Dante que estava no lado oposto ao dele, procura ajeitar para o lançamento com o pé esquerdo quando novamente uma voz orienta:

- Bate com o pé direito mesmo! Na direção do Dante!

O Basílio, sem pensar bate com pé direito que não é o seu forte, porém acerta em cheio. A bola vai na cabeça do Dante e ele não perdoa: gol de cabeça!

O time dos jovens absorve o golpe e logo imagina que a qualquer momento que queiram irão ganhar o jogo facilmente.



A bola é enviada para o Coelho e este toca para o Felipe recebendo a bola de volta numa tabela rápida e envolvendo o time dos mais velhos em quatro ou cinco toques. De frente para o gol o Coelho engatilha o chute e novamente a voz do boleiro estreante:

- João, cubra o lado esquerdo.

Quase sem tempo de decidir o que fazer o João obedece dando dois passos para a esquerda e coincidentemente foi nesse canto que o Coelho visou fazer o gol, porém permitindo fácil defesa do goleiro.

O jogo seguia numa repetição de movimentos. Os mais jovens tentavam a jogada com velocidade e constantes deslocações, mas, o misterioso boleiro intruso, parecia acertar todas as suas previsões de jogadas alertando o posicionamento dos boleiros veteranos que assim economizavam energia e podiam tocar a bola com mais qualidade.

Num certo momento do jogo o time dos mais jovens arrisca um chute do meio do campo e a bola bate involuntariamente na mão do Claudio. O Patrice interpretando como faltosa a jogada e marca penalty contra o time dos veteranos. Quando os jogadores do time de veteranos começaram a reclamar indo na direção do Patrice para explicações a voz do boleiro misterioso:

- O Patrice marcou pelo que ele viu e se ele viu a falta vamos aceitar sem discussões.Ele é o juiz. Parece conto de fadas, mas, as discussões se encerraram imediatamente.

Todos pareciam conformados e concordes com o Patrice. Os mais jovens estavam verificando quem bateria o penalty para empatar o jogo e o boleiro técnico ordenou:

- Marcão, entre no lugar do Dante. Durante a cobrança do penalty, se posicione desde já próximo a área adversária.

Escolhido para cobrar o penalty o Felipe toma distância e parte para o chute. A bola, chutada com certa força, pega velocidade, bate na trave e coincidentemente vai em direção exatamente no lugar que estava o Marcão conforme orientação do técnico. O Marcão põe a bola no chão, olha o posicionamento do goleiro que estava um pouco adiantado e toca por cobertura fazendo um golaço! 2 x 0 para os veteranos.

Perto do final do jogo, e com o placar de 2 x 0 o time dos mais velhos começou a esnobar....

O Basílio roubou a bola do Coelho que tentava driblá-lo, deu dois toques para um lado e para o outro e disse:

- Vem cá Coelhão, vem dançar comigo...São dois prá lá e dois pra cá....

O Marcão que fazia a parede na área adversária e ajeitava os passes para os colegas do time começou a fazer os passes tentando passar a bola entre as pernas do adversário.

O boleiro intruso começou a reclamar dessa postura e disse:

- Basílio, posso jogar um pouco no seu lugar?

- Claro, responde o Basílio, cedendo o seu lugar para o estranho boleiro.

Enquanto o jogo estava parado e o boleiro intruso se preparava para entrar dando alguns passos em direção ao campo todos estavam na expectativa para saber se o boleiro afinal era ou não bom de bola.

O Marcão que estava com a bola na mão quando o boleiro passou próximo a ele rapidamente jogou a bola em direção ao boleiro para ver como ele a recepcionaria, pois essa é a forma comumente utilizada pelos boleiros para testar um desconhecido jogador...

A bola jogada em direção ao boleiro estranho foi recepcionada por ele com movimentos nada coordenados para o futebol e bateu num dos joelhos do mesmo, retornando com extrema velocidade em direção ao Marcão, ferindo-o na boca....

- Desculpe. Você me pegou distraído e você não estava preparado para essa conseqüência no retorno da bola. Esse ferimento é pequeno e ficará bom logo, disse o boleiro se dirigindo ao Marcão que também se desculpou com o boleiro estranho.


E o jogo recomeçou, supervisionado pelo Dr

Paulinho

Aquele boleiro misterioso apesar de continuar a orientar o time e adivinhar todas as jogadas em desenvolvimento não pegava na bola. Ficava parado no meio de campo falando e gesticulando de maneira segura e determinante.

De repente ao receber uma bola que lhe foi passada pelo Claudio, o boleiro intruso perdeu a bola bisonhamente para o Olivier que não perdoou. Mandou para as redes. 2 x 1 para o time dos mais velhos.

Depois desse lance os boleiros veteranos começaram a desconfiar do boleiro intruso e sua eficácia no meio de campo...

Faltando apenas alguns segundos para terminar o jogo e nova bobeada do misterioso boleiro. Perdeu a bola para o Coelho que ajeitou e mandou um foguete no ângulo para empatar a partida. O relógio que marca o tempo de jogo indicou com a campainha o fim de jogo. Empate em 2 x 2.



O time dos mais velhos não se conformavam em permitir um empate com um jogo praticamente ganho. Apesar de não terem vencido o jogo eles estavam impressionados com o que fizeram em campo, correndo e fazendo uma bela partida com excelente movimentação como há tempos não ocorria.

Todos os boleiros foram saindo das linhas do campo e se aglomerando no banco próximo à entrada da quadra. O boleiro misterioso se despediu da turma com um aceno dizendo:

- acho que já fiz o que meu pai me pediu. Joguei com vocês e posso dizer que todos aqui são vencedores. E foi embora....

A reclamação dos mais velhos era geral:

- Pô! Que bobeada daquele cara! Não fosse ele teríamos vencido o jogo facilmente...





- Parem com isso! Exclamaram os mais jovens!









- Aquele cara parece que sabia o que iria acontecer! O cara não sabe jogar nada, mas parece entender tudo e podia ser um ótimo técnico de futebol. Não fossem as instruções dele vocês teriam perdido o jogo.

Depois de discussões e atribuições de desculpas de lado a lado, os mais velhos concluíram que poderiam ter vencido não fosse a desastrosa presença do boleiro noviço naquele jogo e os mais jovens estavam convictos de que eles poderiam vencer facilmente a partida não fosse a presença daquele verdadeiro vidente no time dos mais velhos.

E assim terminou o jogo dos boleiros de natal.

Todos foram e sempre serão os vencedores na disputa pela amizade. Aquele sábio boleiro certamente joga em nosso meio todos os domingos....

Abraços a todos e um feliz natal e um 2012 repleto de futebol..

  
Valter Gonçalves

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